28/11/2013

Os dois lados do cérebro brilhando ao mesmo tempo (Parte 1)

-Bom dia.

Ela se estende na cama ainda aquecida pelo seu corpo, estica os braços e as pernas, se espreguiça, desativa o despertador e levanta.
Calça chinelos e caminha, sai do quarto e se dirige ao banheiro, joga muita água no rosto (o suficiente para tirar da mente e do coração qualquer frustração), se lembra da noite anterior, do note interior, da dor e do clamor.

Lamenta, se olha no espelho e sorri - Eu ainda tenho brilho nos olhos. Agradece a Deus e aos orixás (sim, orixás, seu coração os preserva, pelo seu finado pai, pela sua paz e pela sua essência).
Veste adornos materiais, auto benze, sorri (novamente, desta vez em suspiro de prazer) - se lembra das lágrimas de ontem, da frustração e da constatação, e agradece pela proteção.

Se dirige ao seu quarto vazio, acende um incenso, pega a bolsa e separa sobre a mesa da cozinha um copo com leite puro (sua bebida favorita). 

Ela destranca a porta, sai e tranca. Tranca a rua. Tranca sua tristeza na caixa de pandora que guarda em sua alma.  Alma crua, pura, nua que sua.  Suor de esperança, ainda é noite, embora dia, umas 5h50 da manhã, briza fria, rua vazia, silêncio que grita. Ela mastiga, pensa, caminha e aspira. Aspira o ar seco, aspira o brilho da lua, ela aspira a energia que a circunda.

Tudo a envolve como uma blindagem invisível, se sente leve, livre, viva. Chega o ônibus, acena e sobe, se senta, sessenta minutos de ida, mais outros minutos de ida e chegada onde ela chega por encomenda.

Lamenta, comenta, relembra, assenta, concorda e agradece.

Ela tece planos, ela observa olhares em sua direção, ela pressente vibrações de anunciação, ela prevê e constata o caminho de seu coração.

Vê outros mundos ao seu redor, assim não se sente só, no auto falante introduzido em seus ouvidos "manipulo sílabas, pessoas eu respeito até no meu imaginário".

Ela lembra do último reveilon, das guias jogadas ao mar, das estrelas sorridentes, da companhia doce e do vinho amargo, se recorda do banho frio, da saudade, do vazio, da ligação, da benção, dos gemidos produzidos durante a madrugada, do gozo e da despedida final. O vinho fez mal, o sol também o fez.

A tinta vermelha desbotou.
Um pseudo amor se achegou, chegou, sorriu, olhou, chorou e matou.

Adoentou.
Despenteou.
Borrou.
Gozou.
Chegou, partiu, passou.

Ela volta à realidade e constata que nunca amou, novamente sorri, auto benze, agradece a proteção e nem sequer se questiona ou se entristece com a tal anunciação.

Ela tece planos. 
Ela revê sua última saudação.

Se vê confusa, e por um triz errou na constatação, ela amou mais do que seria possível, mas nunca notou o alvo de tal sentimentalização, agradece, auto benze e repete em pensamento juras de amor eterno à sua própria existência.

Ela deita a cabeça no travesseiro, repousa o corpo e a alma, contempla sua paz, lamenta pelos demais, agradece aos monstros os quais criou e, posteriormente, expulsou.
Amém. 







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