14/04/2013

Carta à minha mãe

Querida mãe, eu sei das lágrimas derramadas em seu travesseiro;
sei, também, dos monstros que habitam embaixo da sua cama;
do seu medo de abrir o armário pela noite;
da recusa pelo amargo do remédio que é obrigada a tomar;
dos desenhos animados exibidos durante a hora da aula que não pode assistir;
das cáries nos dentes por causa de cada doce provado;
do deboche das outras crianças pelos brinquedos que você nunca pôde ganhar.

Sei do sonho com o príncipe encantado,
da cozinha de brinquedo completa,
da bicicleta observada na vitrine da loja de brinquedos,
do cheiro do bolo na casa da vizinha que te faz salivar,
da dor de cada machucado, de cada arranhão,
da birra para fazer os curativos e da tristeza de não poder sair pra brincar na chuva.

Mãe, eu sei dos seus medos, vejo nos seus olhos os medos que já foram meus,
sinto uma obrigação e, ao mesmo tempo remorso, queria ser mãe pra você, do jeito que foi mãe pra mim,
mas me sinto, ainda, tão pequena.

Acordo durante a madrugada temendo que sua febre tenha subido,
saio para trabalhar receosa que não tenha se alimentado bem,
e chego em casa com alguns doces na bolsa para tirar de você um sorriso que me dê motivos pra sorrir.

Sabe mãe, eu me sinto tão insegura e irresponsável, porque deixar você sozinha em casa não é perdoável,
viver a minha vida longe de você é um ato de ingratidão,
e usufruir de cada brisa leve sem você do meu lado é injustiça com essa criança que resiste dentro de você.

Minha mãe, filha minha, como podemos ser tão ausentes com essas doces velhas crianças,
como podemos pensar em nós mesmos e esquecermo-nos do quanto vocês se anularam pela nossa felicidade?

Ser filho é um ato de responsabilidade muito pesado.
Deveríamos assinar pelas nossas mães, deveríamos dar-lhes brinquedos nos dias das crianças e levá-las para a escola da vida todos os dias segurando em suas mãos.


Mãe, senão fosse você, eu nem seria, embora me anularia esse misto de medo, dor e esperança.
Mãe, senão fosse você, eu não estaria nessa sinuca de mesa, que me dá paz por você dormir aqui ao lado e respirar forte uma vida cheia de presença, mas que me atormenta, saber que um dia o ar esvai, e da criança que vive ai dentro, restará apenas as lembranças de um mãe que ao virar avó, deixou para mim toda a responsabilidade de ser uma filha mãe orfã.



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